Para a professora, parte da musicalidade de Grande Sertão: Veredas, por exemplo, vem do próprio sertão, dos sons da natureza, do silêncio e até do capeta tocando viola rio abaixo. "É a grandeza cantável, como diz Riobaldo", enfatiza, citando o personagem do livro. Mas a musicalidade também é conseqüência, segundo Heloísa, da manipulação que Guimarães Rosa faz da sonoridade da língua e do reconhecimento, por parte do escritor, de que a canção brasileira é uma forma híbrida, que mescla poesia e tradições oral, escrita e cantada. Em toda a obra roseana, de acordo com Heloísa, as palavras têm carga sonora, ritmo, e não apenas um significado.
Citando as diferentes formas de apropriação de Guimarães Rosa por compositores brasileiros, a vice-reitora da UFMG alternou suas observações com a execução de trechos de músicas. Um primeiro grupo, segundo ela, se apóia na obra roseana sem transpô-la, num esforço de migração de conteúdos. É o caso de Travessia, de Milton Nascimento e Fernando Brant, ou A terceira margem do rio, de Caetano Veloso e Milton Nascimento. Essa primeira série de leituras tem ainda músicas com letras ou trechos de letras extraídos da obra de Guimarães Rosa e musicados por diferentes autores. Um dos exemplos é O galo cantou na serra, com música de Luiz Cláudio, especialista na pesquisa de ritmos e gêneros musicais mineiros.
Nesse mesmo grupo, outra parcela de canções, segundo a pesquisadora, revela uma atração entre o compositor e as palavras que têm função musical na obra de Guimarães Rosa. "Sagarana, de Paulo César Pinheiro e João de Aquino, gravada em 1977 por Clara Nunes, é uma canção que enfatiza a qualidade acústica da linguagem verbal de Rosa e abusa da utilização plástica e musical dos fonemas", detalha Heloísa.
Uma segunda série possível de leituras, de acordo com a professora, inclui músicas com citações de Rosa, um enxerto na canção, sob o ponto de vista do compositor e não no sentido original proposto pelo escritor. Língua, de Caetano Veloso, ilustra esse grupo, mesclando latim e português do Brasil e de Portugal, na interpretação carnavalizada de Elza Soares. "É a potência de uma língua ainda não saturada, semelhante aos contos de Rosa, quando ele fala sobre a linguagem", afirma Heloísa.
No terceiro grupo de canções, estão autores que vão além da citação ou da sonoridade e usam Rosa para pensar o Brasil de uma forma original. Segundo a professora, esse é um diálogo com a máxima visibilidade entre a literatura roseana e a canção popular, uma rede em que música e literatura se tocam. Um primeiro exemplo é Matita Perê, de Tom Jobim e Paulo César Pinheiro, influenciada, na visão de Heloísa, pelo conto O Duelo, de Guimarães Rosa - centrado no tema do medo -, e também por obras de Mário Palmério e Carlos Drummond de Andrade.
O outro exemplo é Assentamento, gravada por Chico Buarque para o Movimento dos Sem Terra (MST), música que substitui o medo pela insubmissão. O diálogo entre escritor e compositor, neste caso, é sobre o significado do sertão e sobre a situação do Brasil, que vive uma nova modalidade de desterro, com brasileiros sem acesso a bens e direitos. "É a mesma multidão que está no pano de fundo da obra de Rosa que sai do sertão e vai para a cidade e percebe a inutilidade disso. É o 'a cidade não mora mais em mim. Francisco, Serafim, Vamos embora'", define Heloísa Starling, recorrendo a Chico Buarque.
Fonte: http://www.almg.gov.br/not/bancodenoticias/Not_709163.asp
Um comentário:
Belo blog, uma verdadeira homenagem a este grande escritor e personagem de sua própria saga.
Parabéns pelo blog.
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