terça-feira, 16 de setembro de 2008

Desenredo



(...)A música Desenredo(...)foi inspirada em Desenredo - conto integrante de Tutaméia - Terceiras Estórias de João Guimarães Rosa.(...)O conto acima citado que narra uma historia de amor incondicional, acho que o amor que todo mundo gostaria de ter para si, o amor que aceita,redime e restaura. É a historia do amor de Jó Joaquim.(...)
"Jó Joaquim (...) era quieto, respeitado, bom ,como o cheiro de cerveja. Jó apaixona por uma mulher casada e notoriamente infiel, antes bonita, olhos de viva mosca, morena mel e pão. Aliás, casada. Sorriram-se, viram-se. Era infinitamente maio e Jó joaquim pegou o amor. Enfim, entenderam-se. Voando o mais em ímpeto de nau tangida a vela e vento."
João Guimarães Rosa

Fonte: http://nanamada.blogspot.com/2007/08/desenredo.html


DESENREDO
Musica de Dori Caymmi e Paulo César Pinheiro

Por toda terra que passo
Me espanta tudo o que vejo
A morte tece seu fio
De vida feita ao avesso

O olhar que prende anda solto
O olhar que solta anda preso
Mas quando eu chego
Eu me enredo
Nas tranças do teu desejo

O mundo todo marcado
A ferro, fogo e desprezo
A vida é o fio do tempo
A morte é o fim do novelo

O olhar que assusta
Anda morto
O olhar que avisa
Anda aceso

Mas quando eu chego
Eu me perco
Nas tramas do teu segredo

Ê, Minas
Ê, Minas
É hora de partir
Eu vou
Vou-me embora pra bem longe

A cera da vela queimando
O homem fazendo o seu preço
A morte que a vida anda armando
A vida que a morte anda tendo

O olhar mais fraco anda afoito
O olhar mais forte, indefeso
Mas quando eu chego
Eu me enrosco
Nas cordas do teu cabelo

Ê, Minas
Ê, Minas
É hora de partir
Eu vou
Vou-me embora pra bem longe

Fonte: http://nanamada.blogspot.com/2007/08/desenredo.html

Guimarães Rosa: escritor que inspira a musicalidade brasileira

Guimarães Rosa talvez seja o escritor brasileiro cuja linguagem poética mais influencie as composições da canção popular brasileira. A afirmação é da vice-reitora da Universidade Federal de Minas Gerais, historiadora Heloísa Starling, que apresentou um estudo preliminar sobre as leituras da obra roseana por compositores brasileiros. Segundo ela, a complexa obra do escritor mineiro fornece elementos para que os compositores trabalhem na linguagem e na estética próprias da música. "Em uma entrevista em 1963, Tom Jobim expôs a afinidade entre seu trabalho e o projeto literário de Rosa. E ele tinha razão. Há música espalhada por toda a obra de Rosa", afirmou Heloísa.

Para a professora, parte da musicalidade de Grande Sertão: Veredas, por exemplo, vem do próprio sertão, dos sons da natureza, do silêncio e até do capeta tocando viola rio abaixo. "É a grandeza cantável, como diz Riobaldo", enfatiza, citando o personagem do livro. Mas a musicalidade também é conseqüência, segundo Heloísa, da manipulação que Guimarães Rosa faz da sonoridade da língua e do reconhecimento, por parte do escritor, de que a canção brasileira é uma forma híbrida, que mescla poesia e tradições oral, escrita e cantada. Em toda a obra roseana, de acordo com Heloísa, as palavras têm carga sonora, ritmo, e não apenas um significado.

Citando as diferentes formas de apropriação de Guimarães Rosa por compositores brasileiros, a vice-reitora da UFMG alternou suas observações com a execução de trechos de músicas. Um primeiro grupo, segundo ela, se apóia na obra roseana sem transpô-la, num esforço de migração de conteúdos. É o caso de Travessia, de Milton Nascimento e Fernando Brant, ou A terceira margem do rio, de Caetano Veloso e Milton Nascimento. Essa primeira série de leituras tem ainda músicas com letras ou trechos de letras extraídos da obra de Guimarães Rosa e musicados por diferentes autores. Um dos exemplos é O galo cantou na serra, com música de Luiz Cláudio, especialista na pesquisa de ritmos e gêneros musicais mineiros.

Nesse mesmo grupo, outra parcela de canções, segundo a pesquisadora, revela uma atração entre o compositor e as palavras que têm função musical na obra de Guimarães Rosa. "Sagarana, de Paulo César Pinheiro e João de Aquino, gravada em 1977 por Clara Nunes, é uma canção que enfatiza a qualidade acústica da linguagem verbal de Rosa e abusa da utilização plástica e musical dos fonemas", detalha Heloísa.

Uma segunda série possível de leituras, de acordo com a professora, inclui músicas com citações de Rosa, um enxerto na canção, sob o ponto de vista do compositor e não no sentido original proposto pelo escritor. Língua, de Caetano Veloso, ilustra esse grupo, mesclando latim e português do Brasil e de Portugal, na interpretação carnavalizada de Elza Soares. "É a potência de uma língua ainda não saturada, semelhante aos contos de Rosa, quando ele fala sobre a linguagem", afirma Heloísa.

No terceiro grupo de canções, estão autores que vão além da citação ou da sonoridade e usam Rosa para pensar o Brasil de uma forma original. Segundo a professora, esse é um diálogo com a máxima visibilidade entre a literatura roseana e a canção popular, uma rede em que música e literatura se tocam. Um primeiro exemplo é Matita Perê, de Tom Jobim e Paulo César Pinheiro, influenciada, na visão de Heloísa, pelo conto O Duelo, de Guimarães Rosa - centrado no tema do medo -, e também por obras de Mário Palmério e Carlos Drummond de Andrade.

O outro exemplo é Assentamento, gravada por Chico Buarque para o Movimento dos Sem Terra (MST), música que substitui o medo pela insubmissão. O diálogo entre escritor e compositor, neste caso, é sobre o significado do sertão e sobre a situação do Brasil, que vive uma nova modalidade de desterro, com brasileiros sem acesso a bens e direitos. "É a mesma multidão que está no pano de fundo da obra de Rosa que sai do sertão e vai para a cidade e percebe a inutilidade disso. É o 'a cidade não mora mais em mim. Francisco, Serafim, Vamos embora'", define Heloísa Starling, recorrendo a Chico Buarque.

Fonte: http://www.almg.gov.br/not/bancodenoticias/Not_709163.asp

ASSENTAMENTO - CHICO BUARQUE



Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=jDLjFJh1zPM

"Quando eu morrer, que me enterrem na beira do chapadão, contente com minha terra, cansado de tanta guerra, crescido de coração".
Guimarães Rosa
Fonte: http://www.pensador.info/frase/NTIwODY5/

Quando eu morrer, que me enterrem na
beira do chapadão
contente com minha terra
cansado de tanta guerra
crescido de coração
Tôo
(apud Guimarães Rosa)

Zanza daqui
Zanza pra acolá
Fim de feira, periferia afora
A cidade não mora mais em mim
Francisco, Serafim
Vamos embora

Ver o capim
Ver o baobá
Vamos ver a campina quando flora
A piracema, rios contravim
Binho, Bel, Bia, Quim
Vamos embora

Quando eu morrer
Cansado de guerra
Morro de bem
Com a minha terra:
Cana, caqui
Inhame, abóbora
Onde só vento se semeava outrora
Amplidão, nação, sertão sem fim
Ó Manuel, Miguilim
Vamos embora

Fonte: http://letras.terra.com.br/chico-buarque/205611/

sábado, 9 de agosto de 2008

AS MARGENS DA ALEGRIA - WORKSHOP DE RELEITURA EM CORDISBURGO


AS MARGENS DA ALEGRIA

Ia um menino, com os Tios, passar dias no lugar onde se construía a grande cidade. Era uma viagem inventada no feliz; para ele produzia-se em caso de sonho. Saíam ainda com o escuro, o ar fino de cheiros desconhecidos. A Mãe e o Pai vinham trazê-lo ao aeroporto. A Tia e o Tio tomavam conta dele, justinhamente. Sorria-se, saudava-se, todos se ouviam e falavam. O avião era da Companhia, especial, de quatro lugares. Respondiam-lhe a todas as perguntas, até o piloto conversou com ele. O vôo ia ser pouco mais de duas horas. O menino fremia no acorçôo, alegre de se rir para si, confortavelzinho, com um jeito de folha a cair. A vida podia às vezes raiar numa verdade extraordinária. Mesmo o afivelarem-lhe o cinto de segurança virava forte afago, de proteção, e logo novo senso de esperança: ao não-sabido, ao mais. Assim um crescer e desconter-se–certo como o ato de respirar–o de fugir para o espaço em branco. O Menino.

E as coisas vinham docemente de repente, seguindo harmonia prévia, benfazeja, em movimentos concordantes: as satisfações antes da consciência das necessidades. Davam-lhe balas, chicles, à escolha. Solícito de bem-humorado, o Tio ensinava-lhe como era reclinável o assento–bastando a gente premer manivela. Seu lugar era o da janelinha, para o móvel mundo. Entregavam-lhe revistas, de folhear, quantas quisesse, até um mapa, nele mostravam os pontos em que ora e ora se estava, por cima de onde. O Menino deixava-as, fartamente, sobre os joelhos, e espiava: as nuvens de amontoada amabilidade, o azul de só ar, aquela claridade à larga, o chão plano em visão cartográfica, repartido de roças e campos, o verde que se ia a amarelos e vermelhos e a pardo e a verde; e, além, baixa, a montanha. Se homens, meninos, cavalos e bois–assim insetos? Voavam supremamenete. O Menino, agora, vivia; sua alegria despedindo todos os raios. Sentava-se inteiro, dentro do macio rumor do avião: o bom brinquedo trabalhoso. Ainda nem notara que, de fato, teria vontade de comer, quando a Tia já lhe oferecia sanduíches. E prometia-lhe o Tio as muitas coisas que ia brincar e ver, e fazer e passear, tanto que chegassem. O Menino tinha tudo de uma vez, e nada, ante a mente. A luz e a longa-longa-longa nuvem. Chegavam.


in Primeiras Estórias (João Guimarães Rosa), José Olympio Editora, 12ª edição, 1981.